mariana fala...

O relato dos 24 anos foi o mais complexo para eu escrever. Eu pensei muito nas palavras que usaria, eu pensei muito nas pessoas que viriam a ler aquele texto, eu fiz uma viagem não muito divertida por diários e conversas antigas.

A parte da preocupação com quem venha a ler tem muito a ver com a questão de eu temer machucar essas pessoas na hipótese de elas não conhecerem, até agora, a extensão dos meus pensamentos sombrios de então. Acho que essa parte não é muito lógica, talvez nem seja realista: se passaram 12 anos, eu já processei de uma forma ou de outra as coisas que senti naquela época, essas pessoas já me viram lidar com a minha vida de formas muito diferentes de como eu lidava naquela época. E além disso: que diferença faz, na minha vida de hoje, o que qualquer pessoa venha a pensar de mim, ainda mais de uma versão de mim que já não existe há 12 anos?

Revisitar lembranças de angústia é, em si, potencialmente triste. Mas o desafio não ficou simplesmente na ordem da tristeza: quando eu olhei agora para aquelas partes tristes, eu fiz descobertas sobre meu passado. Descobri, por exemplo, uma arrogância que eu nunca tinha enxergado como tal.

Foi meio surreal escrever em um mesmo parágrafo que a tradução do livro é horrível, e que SE eu soubesse inglês o suficiente em 6 anos, que releria em inglês. Essa linha de pensamento estava exatamente assim na minha cabeça, na época. Mas agora, ao escrever, eu só conseguia pensar: como uma pessoa pode avaliar uma tradução se ela sabe que não sabe suficientemente o idioma original? É incoerente e arrogante.

Me incomodou ver essa "feiúra" minha. Acho que eu nunca tinha reparado o quão prepotente eu era (talvez ainda seja?).

Mas ao mesmo tempo que enxerguei o ridículo do meu pensamento arrogante da época, eu também percebi que me cobro de uma forma muito dura, e que talvez caiba eu encarar minha história com mais carinho. Afinal, se passaram 12 anos de lá para cá, vivi muitas experiências, então é natural que meu ponto de vista hoje seja diferente daquela época. E enquanto eu escrevia, apagava e reescrevia, eu ia colocando em perspectiva: se dos 12 anos aos 18 anos (6 anos de diferença) eu tinha aprendido a colocar em perspectiva minhas opiniões antigas, como eu poderia não colocar em perspectiva minhas opiniões dos 24 aos 36 (12 anos de diferença)?

Acho que isso me pegou porque eu ainda estava acreditando (a palavra "acreditar" aqui tem mais de um sentido na minha cabeça, mas não quero elaborar), até semana passada, que ter me tornado adulta fez com que toda a minha experiência dos ~20 até o fim da vida seria sempre com um mesmo nível de maturidade. E eu vi em mim mesma que não é assim que a vida funciona. (Esse parágrafo ficou confuso, mas definitivamente não vou tentar mais melhorar).

O tempo passa, pessoas mudam, e que bom. Hoje eu discordo que alguém possa considerar ruim uma tradução sem ser capaz de entender o original. Hoje eu julgo minha arrogância como capricho tolo e imaturo. Hoje eu me vi aos 24 como infantil.

E eu me julguei negativamente por isso. Eu me assustei com já ter sido tão trouxinha, já sendo adulta. Sendo que não julguei as minhas versões de 6, 12 ou 18 como tolas, mas apenas como criança/adolescente. Como se adultos não pudessem ser tolos, talvez? (Coisas pra terapia de 2024 kkkkk)

Mas seja como for, eu percebi que estava sendo dura demais com Mariana de 24. E percebi que se sou capaz de discordar, mas de ver as opiniões dos 6, 12 ou 18 com carinho por eu ser então jovem e ainda não ter vivido x, y ou z, Mariana de 24 também merece essa aceitação e esse carinho. Eu tenho 12 anos a mais do que ela lidando com gente e com o mundo. Ela merece o suspiro leniente de "como era tolinha, gente, que fofa" que as versões mais antigas mereceram.

E aí essa Mariana de 24 anos me desperta também uma pena de mim mesma que ainda é assunto de terapia em 2024. Eu era jovem, adoecida mentalmente, autista sem diagnóstico lidando com mais mudanças do que eu era capaz sem adoecer, e me julgando duramente pela minha incapacidade. Aquela Mariana merecia um abraço do universo (que ela provavelmente recusaria), umas explicações, uma terapia e os remédios certos. E a Mariana de 36 ainda não exatamente ama a ideia de ser assim tão frágil, então estamos no presente ruminando a compreensão de que sou humana e mereço cuidados também.

Reescrevi vários trechos do relato dos 24, várias vezes. Pensei em relativizar minha ignorância lá mesmo, depois decidi que faria isso aqui, nas ponderações, depois decidi que não haveriam ponderações sobre a leitura dos 24, e depois vejamos onde estou: escrevendo as (longas e desconexas) ponderações dos 24.

E um outro ponto, ainda, que dificultou minha escrita do relato da quarta leitura, foi que tive dúvidas sobre o quão adequado ele seria. Eu criei o blog para falar sobre minhas impressões sobre o livro, mas a quarta leitura foi feita em um momento que ficou marcado na minha vida como sinônimo de dor. Ou seja, não seria sequer possível falar na quarta leitura sem colocar minha dor no meio. Mas eu tive, sim, questionamentos sobre o quão adequado seria colocar TANTO sobre mim, em paralelo a TÃO POUCO sobre o livro. Esse motivo também pesou para eu considerar que não haveriam ponderações sobre a leitura dos 24. Eu estaria fugindo do assunto, deixando de fazer relato sobre o livro com opiniões minhas, e passando a fazer relatos exclusivamente sobre mim, com algumas menções ao livro.

No fim das contas, não apenas o relato, mas também as ponderações ficaram mais sobre mim do que sobre o livro.

Houve também um intervalo grande entre as primeiras postagens e essas, mas isso não aconteceu apenas pela dificuldade em escrever sobre a quarta leitura. Teve também o fato de que as férias do começo do ano acabaram, então dediquei meu tempo e atenção para a faculdade, e estou voltando a Avalon agora nas férias do meio do ano.

E, da escrita deste relato, me veio o seguinte questionamento: não seria mais justo eu ler agora a versão em português, ao invés de ler em inglês???

Quinta leitura: aos 30 anos